04/06/2010

Somente o que vale a pena.

 image Recebo muitas mensagens eletrônicas por dia, grande parte delas com pesados anexos PPS, o que por si só já me coloca de sobreaviso, mas opto por abrir todas e ler até onde meu interesse persistir e, ocasionalmente, recebo algo que realmente vale a pena e que justifica abrir todos os e-mails; é o caso deste texto de LYA LUFT que desejo compartilhar:

image  Nossas muitas fomes

“Do meu cômodo posto de observadora - e o duro posto de cidadã, onerada de altíssimos impostos, contas a pagar, perplexidade e insegurança, e otimismo anêmico, quero expandir o conceito de fome.

A fome, as fomes: de dignidade, a essencial. De casa, saúde e educação, as básicas. Mas - não menos importantes - a fome de conhecimento, de possibilidades de escolha. Fome de confiança, ah, essa não dá para esquecer. Poder confiar no guarda, nas autoridades, nos pais e no país, e também nos filhos. Em nós mesmos, se nos acharmos merecedores. Confiar em quem votei, e em quem não recebeu meu voto: ser digno não é vantagem, é obrigação básica. Andamos tão desencantados, que ser decente parece virtude, ser honesto ganha medalha, e ser mais ou menos coerente merece aplausos.

Fome de conhecimento: não é alfabetizado quem apenas assina o nome, mas quem assina o que leu e compreendeu. De outro modo, perigo à vista. Não cursa uma verdadeira escola quem dela sai para a vida sem saber pensar, argumentar e discernir. A primeira condição para viver melhor é conhecer mais coisas, inclusive sobre a própria situação e as possibilidades de mudar. Não tomando, Invadindo e assaltando, mas crescendo enquanto ser humano e membro produtivo da comunidade: família, trabalho, cidade, país.

Informar-se faz parte disso, de ser integrado, de integrar-se. É tomar contato com a realidade diretamente, não apenas com o que os outros relatam ou inventam. É assistir ou escutar notícias não como quem tateia no escuro, mas com ouvidos de quem deseja entender. Informar-se é também ler: ler como se come o pão cotidiano, ainda que seja o jornal esquecido no banco da praça.

Não creio que a violência que assola este país e nos transforma em ratos assustados seja simplesmente fruto da fome de comida, mas da fome de auto-estima. A violência internacional, emblematizada no terrorismo, nasce entre outras coisas da combinação de ideologia torta e fanatismo. A ideologia nem sempre comanda a morte, nem sempre desconserta o intelecto: sendo positiva, ilumina e estimula, assim como a outra degola inocentes, explode crianças e se orgulha disso.

Andamos acuados pela brutalidade que transcende os limites urbanos, atingindo lugares bucólicos que antes pareciam paraísos intocáveis: você pensa em comprar um sítio? Inclua nesse pacote o caseiro, os cães, alarmes e quem sabe cerca eletrificada. Se for uma fazenda, cave trincheiras e contrate guardas. De preferência, more na cidade mais próxima, rodeado de toda uma parafernália de segurança, ou lançando-se na vida (isto é, saindo à rua) com audácia de guerreiro medieval. Teremos paz, essa nossa grande fome?

Neste momento estou descrente, embora batalhe por isso do jeito que posso. É dos deveres básicos de qualquer pessoa, tentar a paz em si mesmo e ao seu redor, sem necessariamente desfraldar bandeiras, mas existindo e agindo como um ser pacífico (não confundam com pusilânime!). Se posso ser agregadora - iniciando pela família e amigos -, não devo espalhar ressentimento; se quero a paz, não posso transmitir rancor.

Tudo começa, como dizem, em casa: desde quando ela era uma primitiva caverna, e nós uns trogloditas um pouco menos disfarçados do que hoje, com fomes bem mais simples de satisfazer.”

Os grifos são meus e abro mão de comentar o texto; seria redundante.